sobre a Semana de Artes Visuais do Recife – SPA das Artes.

A um passo de.

Será que é muito cedo para tentar pensar em grandes desdobramentos para o SPA das Artes? Desde sua invenção, em 2002, ano após ano o evento ainda procura seu modus de apresentação ao grande público. Algumas escolhas – como o uso ou não de um prédio como “quartel general” – podem não ter contribuído para um resultado estético satisfatório de exposição para trabalhos escolhidos em algumas de suas edições, mas nem por isso deixaram de promover ricas experiências políticas e sociais – como também, trocas simbólicas e de afetos na dimensão dos encontros interpessoais.

A mim, só é possível pensar o SPA como fenômeno, e por ser acontecimento que me é contemporâneo, não há distância (nem de tempo, nem espacial) suficiente para investigá-lo em todas suas nuanças. Assim, minha conversa sobre o assunto é de quem está envolvida nesse processo de construção da própria identidade deste, os argumentos e pontos de vista que por ora compartilho encontram alicerces em impressões – nada mais que isso posso oferecer.

Imagino que os primeiros modernistas se ririam ao se deparar com um evento artístico que, patrocinado e produzido por iniciativa pública (Prefeitura da Cidade do Recife), tem a capacidade de mobilizar nada mais do que pequenos fluxos de pessoas em poucos lugares da cidade por, pelo menos, uma semana. Não era, o programa moderno, um grito de emancipação da arte (e do povo) nos centros urbanos? E que destino mais controverso é esse que fomos arranjar?

Embora ainda não tão assentados os parâmetros, os discursos, as (de)limitações de uma pós-modernidade, é certo de que a autonomia (hoje entendida como interdependência) continua na pauta de reivindicações da arte. No Brasil, a Nova Objetividade, diferente da idéia de autonomia moderna, reclamou uma arte que deveria se esgueirar entre as pessoas promovendo relações em rede, de modo que, assim, acreditava numa proposição experimental e coletiva que produz liberdade – mais notadamente, livre do engessamento institucional. Nesse sentido, o SPA das Artes parece não ter compromisso: nem com aquelas aspirações modernistas, tampouco com as reclamações do que poderíamos chamar de programa estético contemporâneo. Tal paradoxo melhor se manifesta na forma de distribuição de bolsas para produção artística, que segue a lógica das demais instituições nacionais: os artistas são escolhidos através de uma comissão que julga os projetos dos trabalhos que devem estar formatados no modelo de um edital.

Tendo eu feito parte de uma das comissões de seleção do SPA, confesso a sensação de esquisitice não só de a priori emitir um juízo de gosto sobre um obra antes mesmo de sua realização – enquanto que, tudo em mim leva a crer que a arte só possível ser julgada ante sua fruição – como também de saber que estava, inevitavelmente, já “confinada” dentro de parâmetros institucionais (quesitos que deveriam ser levados em conta na escolha dos trabalhos) com os quais deveria exercer meu julgar. Ei, cadê a autonomia? De onde virá a emancipação?

De maneira inacreditável, e de modo a ir na contramão de todas essas realidades mencionadas, o SPA consegue, ao longo dos anos, juntar grupos, lugares, mundos e colocá-los em interlocução. Desses pequenos encontros acontecem as articulações que promovem o nascimento e/ou fortalecimento de grupos sociais autônomos – e interdependentes. São esses grupos: os coletivos diversos: de artistas, de pesquisadores, de críticos; ou um misto destes. A confluência de tais grupos faz surgir manifestações artísticas, eventos, tais como o brasiliense Fora do Eixo. Vale deixar claro que uma autonomia não prescinde de ajudas, sejam essas: financeiras para produção de obras, ou divulgação, ou abertura de espaço para exposição, tampouco que sejam de iniciativas públicas ou privadas. A questão da autonomia recai naquela linha limítrofe em que se constata que qualquer uma dessas ajudas implica direta ou indiretamente a atuação dos agentes culturais (artistas, críticos, curadores, produtores…) e na produção estética.

Embora não acredite, no primeiro momento, ser necessariamente danosa a presença institucional nos eventos artísticos, é certo que a admissão dessa participação tem seu preço. Se por um lado as instituições facilitam financiamento e visibilidade, por outro estacam o pensamento criativo e espontaneidade. Quando o segmento artístico resolve andar de mãos dadas com a instituição, quase sempre o resultado é uma arte institucionalizada – coisa que hoje nos leva a negar não só o legado cultural modernista, como o pensamento contemporâneo 60/70. Como já mencionei, pela ausência de distância espaço-temporal, não me é possível verificar a presença de uma produção de uma arte-institucional. Mas é possível perceber, sim, uma reincidência exacerbada de discursos que justificam opções estético-formais, também repetitivas, nos projetos enviados para seleção – penso que tal fenômeno decorra da necessidade de querer preencher perfeitamente as exigências dos editais –, que pode ser sintoma desse mal do instituído.

Por acompanhar de perto, sobretudo nas últimas três edições do SPA, me é possível ver o esforço de coordenadores, produtores e demais colaboradores na busca de tornar o evento cada vez mais democrático e acessível tanto no sentido da forma de distribuição de bolsas de incentivo para a produção de obras, quanto no que diz respeito à recepção destas para o público diverso. A despeito disto, penso que há uma espécie de lei social de que quanto mais as ações são institucionalizadas, ainda que seja na procura de processos entrópicos, menos movimento acontece.

Sobretudo na arte, as micro-organizações sociais precisam se adiantar e tomar as rédeas que permitem a possibilidade das manifestações espontâneas, porque no final das contas, são essas que darão forma aos programas estéticos e seus públicos. Não acredito na formação eficaz de um público muito posterior à produção das obras, mormente na arte contemporânea, em que este é menos espectador e mais expectador. Ora, a arte permanece naquele caminho formal do campo estendido (da bidimensionalidade para o espaço), e parece querer atingir cada vez mais um espaço-imaterial. Desse modo, a obra de arte (ainda que permaneçam a escultura e a pintura como formas atuais) passa a ser menos um objeto para ser visto, mais proposição a ser esperada – expectada. Nesse sentido, o aparato institucional do SPA ajuda a criar a expectação durante aquela semana, mas não é capaz de uma permanência deste estado para outros eventos e lugares no diariamente da cidade.

Voltando ao que comecei dizendo inicialmente, se há grandes desdobramentos para o SPA, prefiro creditar esperanças na efervescência que pode acontecer a partir daquelas mencionadas articulações de pessoas e grupos que formarão uma rede social capaz de trazer uma emancipação do pensamento criativo e da espontaneidade. Nessa direção, é preciso ver o atual perfil do evento como meio, e não fim. Que saibamos aproveitar hoje esse lugar de interlocução como um passo para.


* Para reviSPA ’09